Reta final
As gerações mais velhas sempre minimizam as reclamações dos mais novos sobre o trabalho: meu pai não entende como é possível trabalhar sentado o dia todo, sem sair de casa - e longe de eu achar que isso é um modelo exemplar.
Assim como meu avô achava a geração do meu pai acomodada, por todo o lance hippie e da contracultura, etc. Aqui no caso do Brasil, por razões de repressão política, o termo “vagabundo” traduzia mais ou menos o mesmo sentimento.
Não demorou muito pra que os millenials se juntassem ao coro pra acusar a Gen Z de ser a mais “ininpregável” de todas, segundo um artigo da colunista Jess Grose para o New York Times. Outra acusação famosa é de que a Gen Z só sonha em ser influencer porque a internet lhes torrou o cérebro (qualquer dia eu falo sobre o porquê o tempo de tela das vovós é mais perigoso que o das crianças).
O que esse estereótipo ignora é que o ato de conseguir (e manter de forma saudável) um emprego virou, na última década, uma provação desumanizante e profundamente desestimulante.
Nesse contexto, a Creator Economy, um dos mercados que mais crescem na economia global, se mostra como a única rota onde ainda existe alguma sensação de autonomia. Mas olha que fofura o que falam por aí na mídia.
Segundo uma pesquisa da consultoria YOUPIX, três em cada quatro jovens da Geração Z no Brasil afirmam sonhar em ser influenciadores.
O desejo vem embalado pela promessa de uma rotina divertida, flexível e potencialmente glamourosa, além da possibilidade de monetizar a própria personalidade. Mas, por trás do brilho das telas, a realidade da profissão impõe desafios nada triviais.
O mercado de trabalho atual realmente parece um cenário nebuloso. Michael Madowitz, economista-chefe do Roosevelt Institute, comparou-o a um 'engarrafamento horrível':
“Se você acabou de sair da faculdade, é como tentar entrar numa rodovia e ninguém te deixa entrar”, explicou. Cada vez mais despontam empresas que enxugam o número de funcionários e entregam tarefas humanas às máquinas e IAs da vida, mesmo que a qualidade dos trabalhos seja incomparável.
A tortura não começou agora
Ao longo das últimas décadas, cada vez mais gente tem a oportunidade de estudar, então venderam pra Gen Z uma ideia de que era só fazer uma faculdade que ia dar tudo certo.
Isso sem contar no número surreal de crianças dessa faixa etária que foram chamadas de “prodígios”.
Isso gerou uma hipercompetição que molda a vida dos jovens, inclusive os mais privilegiados, que não precisam competir pra sobreviver, mas pra corresponder a essa expectativa de ser um jovem prodígio, um Forbes Under 30.
Como boa parte das candidaturas agora é online, a barreira para aplicar despencou. Por outro lado, cada vaga recebe centenas de candidatos.
E aí entra o elemento que transforma tudo em ficção científica barata: a triagem por inteligência artificial. Hoje, boa parte das primeiras etapas dos processos é feita por robôs.
Richard Yoon, estudante de economia na Columbia, contou à Jess, autora do artigo, que colegas fizeram 20 entrevistas para vagas em finanças, sendo que 19 eram com IA. Para tentar atravessar o funil digital, jovens revisam currículos buscando palavras-chave que a IA supostamente “gosta”. Yoon descreve a experiência com uma palavra só: “distópica”.
De sintoma à fuga
Muitos jovens simplesmente olham para essa barreira robótica e pensam: “Talvez seja mais fácil construir uma audiência do zero do que conseguir passar pela porta automática de uma empresa.” O mito de que a Gen Z “só quer ser influenciadora” perde força quando o trabalho corporativo oferece vigilância, metas inalcançáveis e pouco espaço para humanidade.
Isso sem contar que ainda há muito assédio - de todos os infelizes tipos possíveis - no mercado tradicional, principalmente nas empresas mais antigas. Mesmo com a gente mudando a opinião pública, muitas vezes é difícil combater o que rola dentro dessas empresas. Tem gente que denuncia, mesmo sem voz, tem quem saia de fininho e quem prefira nem tentar entrar nesse jogo, pra não sair com o mental esfarelado.
Muitos jovens sentem que há menos mentoria, mais microgestão e uma sensação constante de estar sendo observado: “Gerentes esperam que você faça seis funções em uma semana de 40 horas. Meus benefícios eram medíocres. Não havia crescimento nem treinamento”, contou Stevie Stevens, 27, à Jess.
Ela também descreveu “tecnologias de estado de vigilância” — apps que analisam dados pessoais para medir esforço. Embora tenha trocado a estabilidade corporativa pela incerteza do freela, diz que está mais feliz simplesmente por ter liberdade.
O curioso é que, enquanto a IA desumaniza o processo de entrada no mercado formal, ela também remodela a Creator Economy automatizando e uniformizando conteúdos, criando novos padrões de viralização e tornando mais difícil se destacar.
Ou seja: o cansaço da Gen Z não é só corporativo. É multiplataforma.
Talvez você tenha ouvido por aí a fofoca de que o Itaú demitiu cerca de 1.000 funcionários a partir de um programa que os monitorava, sem aviso, o teclado, os cliques e a navegação.
Esse controle não considera conversas com colegas, momentos de reflexão ou pausas necessárias para não quebrar o corpo. Trabalhadores mais velhos, pelo menos, conheceram um mundo sem isso.
Diante desse cenário, não surpreende que um estudo do National Bureau of Economic Research tenha identificado um aumento significativo no desespero mental de jovens trabalhadores na última década. Para quem tem menos de 25 anos, a saúde mental está tão fragilizada que eles estão tão infelizes quanto jovens desempregados — algo inédito.
A Jess conta que o pesquisador Alex Bryson lhe apresentou duas hipóteses. A primeira: jovens esperam ser mais felizes do que gerações anteriores, em parte por viverem se comparando com os outros na internet.
A segunda — e mais convincente, apesar da primeira também ser real — é que o ambiente de trabalho está objetivamente pior.
O volume de trabalho por hora intensificou, porque tudo é monitorado, registrado e quantificado. A autonomia, pilar básico de qualidade de vida no trabalho, se perdeu.
Por isso a Creator Economy foi de sintoma de uma geração que, supostamente, não quer trampar, e virou fuga: uma estratégia real de sobrevivência. Tanto Stevens quanto Yoon disseram que o empreendedorismo — incluindo ser criador de conteúdo — parece mais seguro do que o corporativo hoje. E não é só fuga individual: até criadores começam a buscar coletividade, como sindicatos de YouTubers e coalizões contra cortes de receita promovidos por plataformas.
Então, diferente de um jovem de outra geração, que poderia querer ser uma celebridade por conta da fama, a Gen Z pode só querer recuperar algum controle sobre as próprias rédeas, ao invés de ser rejeitado por uma IA, ou invisibilizado por um algoritmo. Como disse a Jess, no final de seu artigo:
“E, honestamente? Ser rejeitado na cara, como acontecia comigo nos meus 20 anos, hoje parece até um luxo.”
É importante fechar dizendo que a Creator Economy não oferece um passaporte mágico pra era da autonomia e segurança financeira, pelo contrário: parece mais um bilhete premiado do Willy Wonka. Você pode dar a sorte de achar um com o único dinheiro que tinha pra comprar uma barra, ou pode comprar milhares de barras até encontrar o dourado.
Mas, isso sem sombra de dúvida nenhuma.
Definitivamente, é um ecossistema que vai te olhar se você tiver profissionalismo e nunca deixar de lado a autenticidade - alguém já viu isso tudo ser recompensado no mercado de trabalho tradicional de alguma forma?
Capacidade de vulnerabilidade.
Formação de identidade.
Lógica predatória.
Troca genuína.
Planos.
(Esse texto foi inspirado na News #34 da YOUPIX. Para aprofundar os assuntos, corre pro @instayoupix e receba, em primeira mão, o olhar da Rafa Lotto e de todo o time YPX :)